Prostituição ou Trabalho Sexual?
O discurso abolicionista soou a déjà vu: já (ou)vi isto em qualquer lado… pois (ou)vi. Foi na campanha pela des-penalização do aborto. Ora se numa campanha determinado argumento é válido, pode deixar de o ser em algo que, aparentemente desligado, se reduz a princípios semelhantes?
Senão vejamos:
Se é argumentado o direito das mulheres decidirem sobre os seus corpos, na IVG, porque não é válido para o trabalho sexual?
A regulamentação não aumenta a IVG, mas aumentaria a prostituição?
Defendermos a autonomia e liberdade das mulheres na decisão de fazer ou não uma IVG é válido mas já não é noutros decisões sobre os seus corpos/ vidas?
Rejeitar paternalismos na IVG é seguro e vamos nós a correr defender a prostituta que não sabe que/como é vítima?
Se histórias de vida, entrevistas em profundidade com trabalhadoras do sexo revelam que elas querem a regulamentação vamos nós dizer-lhe o que é melhor para elas? Nós, as iluminadas?
Dizer “alguém quer que a sua filha faça um aborto?”, como forma de propagandear o NÃO é repugnante mas é válido dizermos “alguém quer que a sua filha seja prostituta?”?
Não parece o mesmo que mostrar imagens de fetos? Em que é que isso ajuda quem está grávida e tem de decidir o que fazer? Em que é que isso ajuda quem trabalha na prostituição?
Dizermos nós o que é melhor para cada mulher; dizer que uso ela deve fazer do seu corpo, da sua vida não será elitismo nosso?
Estaremos isentas da moral em que fomos socializadas? Não será a visão da prostituta como vítima moralismo nosso?
Não será reforçar a visão tradicional da sexualidade da mulher? Uma visão sentimentalista, de passividade…?
Misturar tráfico, prostituição e abuso sexual num mesmo saco, não será como mostrar fetos de 20 semanas e dizer que tem 10? Não será manobra de distracção e sensacionalismo?
Se é válido o argumento que o aborto não desaparecerá, logo há é que criar condições para que seja feito em segurança, não o é para o trabalho sexual – se este nunca deixará de existir?
Achar que o argumento do NÃO de que o investimento deve é ser feito na prevenção/ educação sexual é falacioso e já não o é para a prostituição?
O abolicionismo luta contra a estigmatização ou aumenta-a por estar sempre a dizer que as mulheres que são e querem ser prostitutas são coitadas?
Não será continuar o já iniciado há séculos, com a separação da mulher boa da mulher má/ pecadora?
Não permitirá a regulamentação uma visão desmistificada destas mulheres e desta actividade/ profissão?
7 comentários:
Trabalho Sexual
também não tinha posição sobre o assunto até que, há coisa de uns meses, uma notícia caiu na minha cabeça como um pequeno terramoto. uma trabalhadora - não me lembro de que actividade - num dos países onde a prostituição é legal e regulamentada, caiu no desemprego. foi chamada pelo 'fundo do desemprego' para um trabalho de substituição, justamente num bordel. se não aceitasse perdia o subsídio - como parece que aconteceu. pûs-me no lugar dela. acho que não ia gostar da escolha.
este é um daqueles temas infinitos... sim, não pode haver paternalismos. mas, o que é a prostituição legal? é a legitimação de uma escravatura, porque também nisto a maioria não escolhe essa condição subalterna; são esmagadoramente crianças e mulheres a praticá-la, e homens a usufrui-la... seria um avanço de civilização, creio, concluirmos que esta não é a mais velha profissão do mundo, como a maternidade não é o papel social da mulher e por aí fora... porque, creio, também evoluimos com o fim de ideias-feitas. já quanto à autodeterminação das escolhas individuais, nada a opinar!
[isabel do carmo escreveu, quando esteve presa,nos anos 80, um livro com depoimentos de companheiras de cadeia, muitas prostitutas. as histórias de vida daquelas mulheres não eram ficção mas verdadeiros casos de escravatura... defendemos/legitimamos a escravatura?]
É uma temática algo complexa, mas inclino-me para a despenalização, bem como uma regulamentação apertada. A fim de evitarmos as situações de abuso recorrentes. Aliás, não percebo muito bem a fronteira entre prostituição e, por exemplo, indústria pornográfica, nomeadamente no que diz respeito ao cinema. Qual a fronteira? Quando deixa de ser exploração ou pouco dignificante? Em que medida se estabelecem diferenças abissais, já que se organizam inclusive salões respeitáveis alusivos ao tema e por outro lado perseguem-se as/os prostitutas/os de rua? A penalização não é apenas uma forma de se escamotear o problema?
Chocou-me o exemplo dado pela Ir. Mas parece-me que seria uma situação que devia estar plenamente prevista, na medida em que qualquer trabalhador desempregado teria o direito a recusar trabalho desta natureza. Parece-me também que O Estado não deve fomentar a prática, ainda que esta seja legal.
Excelentes perguntas, Cuscavel, na mouche. Nao me tendo dedicado extensivamente ao tema, a tomar posicao seria sempre pro-escolha. Logo, trabalhadoras/es do sexo, claramente.
Ja agora, gostaria de saber q organizacoes representaram cada um dos dois sectores em debate. Gracias.
Cris, cá vai: Manuel Carlos Ferreira da Silva (NES/UM)
Isabel do Carmo (precisamente a autora que a LR mencionou)
Helena Neves (Univ. Lusófona)
Teresa Puerta Pelayo (Colectivo Hetaira).
Não tenho presente o nome da tese do Manuel (depois posso enviar-te por mail). O endereço do colectivo está ali na coluna ao lado.
já agora...
[admito estar enganada, por isso, se alguém souber, esclareça-me]
à luz da lei portuguesa (código penal?)a prostituição não é considerada uma actividade ilícita mas o proxenetismo sim. na prostituição, a questão é saber até que ponto a escolha é livre.
cuscavel, obrigada.
lr, sim, a prostituicao nao eh crime nem para a/o prostituta/o, nem para o/a cliente, mas sim o o lenocinio (ou seja, exploracao da prostituicao) - de 6 meses a 8 anos de prisao, conforme factores agravantes (artigo 169 do Codigo Penal). Ha casos em q o/a cliente tb eh punido/a (artigo 174 do Codigo Penal) e, claro, o trafico tem uma moldura penal distinta.
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