quinta-feira, outubro 25

"Se os homens menstruassem"*

(…) Então, o que aconteceria se, de repente, como num passe de mágica, os homens menstruassem e as mulheres não?

(…) Generais, direitistas, políticos e fundamentalistas religiosos citariam a menstruação (”men-struação”, de homem em inglês) como prova de que só mesmo os homens poderiam servir a Deus e à nação nos campos de batalha (”Você precisa dar seu sangue para tirar sangue”), ocupariam os mais altos cargos (”Como é que as mulheres podem ser ferozes o bastante sem um ciclo mensal regido pelo planeta Marte?”), ser padres, pastores, o Próprio Deus (”Ele nos deu este sangue pelos nossos pecados”), ou rabinos (”Como não possuem uma purgação mensal para as suas impurezas, as mulheres não são limpas”).

(…) Programas de televisão discutiriam abertamente o assunto. (No seriado Happy Days: Richie e Potsie tentam convencer Fonzie de que ele ainda é “The Fonz”, embora tenha pulado duas menstruações seguidas. Hill Street Blues: o distrito policial inteiro entra no mesmo ciclo.) Assim como os jornais, (TERROR DO VERÃO: TUBARÕES AMEAÇAM HOMENS MENSTRUADOS. JUIZ CITA MENSTRUAÇÃO EM PERDÃO A ESTUPRADOR.) E os filmes fariam o mesmo (Newman e Redford em Irmãos de Sangue).

Os homens convenceriam as mulheres de que o sexo é mais prazeroso “naqueles dias”. Diriam que as lésbicas têm medo de sangue e, portanto, da própria vida, embora elas precisassem mesmo era de um bom homem menstruado.
As faculdades de medicina limitariam o ingresso de mulheres (”elas podem desmaiar ao verem sangue”).


É claro que os intelectuais criariam os argumentos mais morais e mais lógicos. Sem aquele dom biológico para medir os ciclos da lua e dos planetas, como pode uma mulher dominar qualquer disciplina que exigisse uma maior noção de tempo, de espaço e da matemática, ou mesmo a habilidade de medir o que quer que fosse? Na filosofia e na religião, como pode uma mulher compensar o fato de estar desconectada do ritmo do universo? Ou mesmo, como pode compensar a falta de uma morte simbólica e da ressurreição todo mês?


A menopausa seria celebrada como um acontecimento positivo, o símbolo de que os homens já haviam acumulado uma quantidade suficiente de sabedoria cíclica para não precisar mais da menstruação.
(…) Em suma, nós descobriríamos, como já deveríamos ter adivinhado, que a lógica está nos olhos do lógico. (Por exemplo, aqui está uma idéia para os teóricos e lógicos: se é verdade que as mulheres se tornam menos racionais e mais emocionais no início do ciclo menstrual, quando o nível de hormônios femininos está mais baixo do que nunca, então por que não seria lógico afirmar que em tais dias as mulheres comportam-se mais como os homens se portam o mês inteiro? Eu deixo outros improvisos a seu cargo. (...)


Gloria Steinem
in Memórias da Trangressão

Texto, na íntegra, aqui

Imagem: Judy Chicago

* À cuscous. Que me deu a conhecer.

quarta-feira, outubro 24

Queridas cuscas,

Pus-vos (nos) a desfilar na lapela do blog.
Protestos na caixa de comentários.

quarta-feira, outubro 17

ESTUDO APONTA QUE FEMINISTAS TÊM RELACIONAMENTOS MAIS ESTÁVEIS

As feministas são as candidatas ideais para um relacionamento estável e duradouro, segundo demonstrou uma pesquisa da universidade norte-americana Rutgers, publicada pela revista Sex Roles. O estudo analisou mais de quinhentos homens e mulheres norte-americanos entre 18 e 60 anos, aos quais foram feitas perguntas sobre a qualidade de seu relacionamento e sobre a percepção do feminismo próprio e do parceiro, com respostas que variavam de "pouco satisfeito" a "extremamente satisfeito". O resultado revelou que não só as feministas declararam ter relacionamentos mais saudáveis que as não-feministas, mas também seus parceiros disseram ter relações mais estáveis. "Os nossos resultados indicam claramente que os conceitos negativos sobre o feminismo são equivocados, e que sua influência no relacionamento de casais é na realidade positiva", disseram Laurie Rudman e Julie Phelan, autoras da pesquisa.

Notícia da Agência
ANSA

Resta saber o que entendem por feministas, não-feministas e relacionamentos saudáveis. Mas, à primeira vista, parece-me um excelente contributo ao questionamento dos estereótipos. Não?

terça-feira, outubro 16

Ridendo castigat mores?!

não tenho inveja da maternidade
nem da lactação
(…)

não tenho inveja da fidelidade
nem da dissimulação
só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos

“Homem” – Caetano Veloso

Ouvir uma música, assistir a uma peça de teatro, ler um livro, ver um filme em que o lado negro “das mulheres” (como se nós fossemos uma massa uniforme!) é exaltado não me faz grande comichão – ninguém o quer negar; fartas de ser santas e virgens já nós estamos. Mas seria pedir muito que o fizessem sem recorrer ao facilitismo dos estereótipos e ao essencialismo barato?

Ridendo estaria se os costumes castigados fossem os de um autor tolhido nos acordes que ele próprio denuncia.

quinta-feira, outubro 11

Doris Lessing premiada com o Nobel da Literatura

O Instituto Karolinska de Estocolmo, na Suécia, concedeu hoje o Nobel de Literatura à escritora britânica Doris Lessing, comprometida com o feminismo e a crítica às desigualdades e considerada uma das autoras em língua inglesa mais célebres vivas.

A "capacidade para transmitir a 'épica' experiência feminina e narrar a divisão da civilização com ceticismo, paixão e força visionária" de Lessing foram fundamentais para a decisão do instituto (...).

Os conflitos entre culturas, a desigualdade racial e a contradição entre consciência individual e bem-estar coletivo são alguns dos temas tratados em sua produção literária, que teve em 1950 sua estréia como romancista com "The Grass is Singing", texto sobre a vida na África que já refletia sua oposição à política racial.

A primeira obra comprometida com o feminismo chegou dois anos depois, "O Sonho de Martha Quest", que abre a série "Os Filhos da Violência", formada por cinco títulos.


Continuar a ler no Último Segundo

quarta-feira, outubro 10

Courrier Blogosférico

"A Batalha dos Géneros", em Santiago de Compostela

É já aqui ao lado...
Pena que (por quanto mais irmãs mais afastadas!) não tenhamos tido acesso a esta informação mais cedo. É que esta exposição, patente até 9 de Dezembro no Centro de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, subordinada ao tema da (in)visibilidade das mulheres na arte, incluiu entre outras coisas um seminário acerca da (estreita) relação entre Arte e Feminismo nos nossos dias.
Tempo há, no entanto, para dar um salto à exposição.

in Leito de Safo

segunda-feira, outubro 8

Histórias para não adormecer (2)

Há um país, próximo da Europa (…) chamado Scythie ou terra dos Scythes. Aconteceu que, no decurso de uma guerra, todos os homens deste país pereceram. Quando as mulheres souberam, (…) encheram-se de coragem e convocaram um conselho de mulheres, resolvendo que, doravante, elas mesmas liderariam o país, livres do controlo dos homens. Emitiram um édito que proibia a entrada de qualquer homem no seu território, mas decidiram que, de forma a assegurar a sobrevivência da raça, iriam acasalar aos países vizinhos (…). Se dessem à luz um rapaz, este seria enviado para viver com o pai, mas raparigas criá-las-iam. (…) Em seguida, todas elas, mulheres e jovens, pegaram em armas, formaram batalhões e declararam guerra aos seus inimigos (…). Ninguém conseguia resistir-lhes, (…) vingaram bastante bem a morte dos seus maridos.



(…) Ficaram conhecidas como Amazonas, um nome que significa “aquela que sofreu ablação do seio”. Era seu costume, mediante uma técnica conhecida apenas por esta raça de mulheres, que a mais nobre delas tivesse o seio esquerdo removido pelo fogo, de modo a permitir-lhes transportar um escudo. Todas as raparigas que não tivessem nascimento nobre perderiam o seio direito para mais facilmente usarem o arco.

(…) Foram tão bem sucedidas que conquistaram grande parte da Europa e a região da Ásia, subjugando muitos reinos ao seu domínio.


Christine de Pisan
in A Cidade das Mulheres



Christine de Pisan
: Considerada a primeira mulher escritora profissional da Europa; Primeira escritora a defender os direitos das mulheres.

domingo, outubro 7

quarta-feira, outubro 3

As saudistas querem licença para guiar

O Reino da Arábia Saudita é o único país que proíbe às suas cidadãs que se ponham ao volante [até de bicicletas; apesar de serem proprietárias de 40 por cento dos veículos que todos os dias matam uma média de 13 pessoas nas estradas]. A proibição não está nem no islão nem nas leis. São éditos religiosos de destacados ulemas que afirmam que mulheres ao volante podem criar situações de tentação pecaminosa (contactar com polícias ou mecânicos no país que aplica segregação sexual no espaço público). [Foram estes "sábios" que impuseram a restrição em 1990, depois de 47 mulheres terem circulado ao volante de 15 veículos pelas ruas de Riad, a capital, num "protesto cultural"].O tabu começa a cair. No dia 23 de Setembro, dia de festa nacional, um grupo de mulheres entregou uma petição ao rei Abdalah para que anule a restrição dos ulemas.

Sena Santos, no dn
Margarida Santos Lopes, no Público
Hassan M. Fattah, no Herald Tribune, via O Mal da Indiferença

terça-feira, outubro 2

Mutilação Genital Feminina

Mutilação Genital Feminina: Prática que consiste em destruir, inteira ou parcialmente, o órgão genital feminino.

A principal forma de Mutilação Genital (em 80% dos casos) é a excisão (remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios vaginais).

O número estimado de mulheres que são mutiladas, em todo o mundo, é de 130 milhões. 3 milhões de meninas são expostas a esta barbárie, todos os dias.

A idade varia consoante o grupo étnico. A operação pode ser feita em recém-nascidas, adolescentes, antes do casamento ou depois do nascimento do/a primeiro/a filho/a. Geralmente, a mutilação ocorre antes da primeira menstruação, entre os 4 e os 12 anos.

Esta prática ocorre maioritariamente em 28 países africanos. Apesar disso, centenas de mulheres são vítimas desta prática em comunidades imigrantes na Europa, América do Norte e Austrália.


Contra a mutilação genital feminina, assina a petição: aqui.

ps: para as/os menos impressionáveis, imagens e vídeos de excisões, podem ser vistas aqui

segunda-feira, outubro 1

Quem (não) canta (também) consente (9) ou Especial Dia Mundial da Música

Concerto para Piano

Compositora: Clara Shumann
Pianista: Daria van den Bercken
Maestrina: Joann Falletta
Orquestra Filarmónica de Roterdão

Clara Wieck Schumann (n. Alemanha, Leipzig 1819 - m. Francfort-sur-leMain 1856) Compositora e pianista da corte austríaca, desenvolveu carreira internacional, com digressões por França, Dinamarca e Rússia. Deu aos 9 anos o seu primeiro concerto em Leipzig, e tocou perante Goethe em 1831. Clara Schumann escreveu cerca de quarenta obras de valor, incluindo concertos para piano e colectâneas de "lieder".

Reflexões

«Uma etapa da sua vida terminara e uma outra se abria, uma verdade descoberta com o corpo, à medida do seu corpo despido de mitos, cumprido, experimentado, só de experiência e de verdade feito - a força que havia no amor, numa relação de solidariedade e não de supremacia nem domínio, as pessoas reciprocamente apoiando-se, trabalhando juntas para um mesmo fim. Um outro universo, um outro imaginário. Nada mais me sufoca nem bloqueia, podem contar comigo para ajudar a construir o mundo - a casa aberta aos outros, um lugar de encontro, de troca, de discussão, de refúgio, de permuta, sempre alguém chegando, sempre uma roda de amigos debaixo dos guarda-sóis, trabalhando, trazendo num tabuleiro chávenas de café e uma cafeteira fumegante, sempre alguém utilizando a garagem como um atelier provisório, os alunos de Horácio que vinham à noite, carregados de livros e perguntas, uma casa viva onde cada um encontrava o seu espaço.»


Teolinda Gersão
in Paisagem com Mulher e Mar ao Fundo


Imagem: Chema Madoz
Mais sobre a escritora, aqui.