segunda-feira, agosto 25


Começar, assim, não por um continente, por um país ou por uma casa, mas pela geografia mais próxima – o corpo.

Adrienne Rich

Temos foto, graças a Shyznogud

Uma das tais. E confirma-se: não é publicidade enganosa.
O blogger - será o pudor? - não permite imagem maior.

Absolutamente outro

Entrevista ao psicoterapeuta brasileiro Flávio Gikovate, na Sábado (n.º225).

(...) No seu último livro afirma que o amor romântico tem os dias contados. Porquê?

Porque o mundo mudou. O amor romântico - ciumento, opressivo e sufocante - já não tem hipóteses porque é incompatível com o desejo crescente do individualismo. Aos poucos, as pessoas estão a reconhecer que o amor tradicional é imaturo e desgastante. No mundo moderno, em que há muitas actividades interessantes e individuais, o amor como remédio não funciona. Este amor vai sendo substituído por outra qualidade de relação.

Quando é que chegou a essa conclusão?
Trabalho com essa hipótese há muitos anos, mas só agora consegui colocá-la num livro de maneira completa. Muitos casamentos entre opostos, com a ideia de fusão, ainda vão acontecer antes que as pessoas se dêem conta que já não dá para insistir nesse tipo de relacionamento. Antes, o amor ganhava à individualidade porque não havia o que fazer com a individualidade. (...) a individualidade é tão preciosa que ninguém quer (e não deve) abrir mão dela para viver com alguém.

Diz aos seus pacientes que, entre o amor e a individualidade, devem optar pela segunda?
Sim. (...) A mulher tornou-se independente económica e sexualmente e põs fim à estabilidade conjugal. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado está para uma boa relação afectiva.

Então os solteiros são mais felizes?
São mais felizes que os mal casados. Antigamente havia um enorme preconceito em relação às pessoas solteiras, sobretudo as mulheres, as "encalhadas". Hoje, sem esses preconceitos, o mundo é mais favorável aos solteiros. (...) As boas relações afectivas são parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem.

Como define "mal casados"?
É uma relação entre opostos, um egoísta e um generoso. Essa relação é a que mais acontece porque está no imaginário das pessoas há séculos. No entanto, é muito perigoso depender de "terceiros" para ser feliz. Quando um dos dois se apercebe que não encontrará no outro aquilo que procura, a separação é inevitável, porque no amor dito romântico responsabilizamos o outro pelo nosso bem-estar (...).

Então, com o fim do amor romântico, as pessoas vão passar a fazer sexo de ocasião?
Não necessariamente. (...) O meu livro tem dois finais: um é ficar sozinho; outro, bem acompanhado. (...) Mas a união tem de acontecer entre pessoas semelhantes, com os mesmos planos e projectos, e não entre opostos.

As pessoas casadas são na sua maioria infelizes?
Os divórcios comprovam que o número de pessoas felizes no casamento é cada vez menor. A noção de amor actual revela um sentimento que temos pela pessoa cuja presença provoca em nós a sensação de paz e aconchego que perdemos ao nascer. Desde o nascimento, temos a impressão de ser uma "metade" (...). E assim vamos repetindo a fórmula do início da vida e persistindo no erro. Temos de entender que não somos metade. (...) insitem na ideia do amor romântico, que une duas metades incompletas, o que é um erro.
(...)

Uma pessoa sozinha não tem inevitavelmente momentos em que sofre?
Depende de como entenda a solidão. Se for como no amor romântico, com a sensação de desamparo, sofre. Mas se tiver maturidade emocional haverá um momento em que terá a necessidade do aconchego físico. É preciso conhecer-se a si mesmo e ser capaz de viver sozinho. Depois, procurar alguém com afinidade principalmente de carácter intelectual. Amor significa aconchego físico, amizade é afinidade intelectual. (...) Mas individualismo não é egoísmo. O outro deve ser escolhido por afinidade intelectual, como os amigos. Lealdade, cumplicidade, respeito pelo outro são características de um relacionamento maduro, com qualidade.

Há uma fórmula para ter um casamento feliz?
Não há fórmula, mas um caminho. A união tem de acontecer entre pessoas semelhantes, com os mesmo planos e projectos, e não entre opostos. É o que eu chamo amor. É uma relação mais parecida com a amizade. é a aproximação de duas pessoas inteiras e não de duas metades. Esse é o melhor passo para aprimorar uma relação.
(...)

Há quem diga que são banalidades. Mas por mais comum que seja, é-o sempre menos que outras banalidades: precisamente as do amor romântico. Essas preenchem prateleiras das livrarias, salas de cinema, músicas e histórias para adormecer. É, por isso, sempre bom ler sobre modelos alternativos que ora não sabemos que existem, ora tudo à volta faz questão de dizer que não devem existir. Depois de rever a Ally McBeal - no seu incurável romantismo - sabe bem voltar à realidade.

Imagem: "Snow White swallows the poison", Paula Rego

Quem canta (ou peca) consente (12)


"I Kissed a Girl"
Katy Perry

Este é um quem canta consente extra-ordinário. Mai do que a música, valem os comentários da mãe da cantora. Diz ela: "Detesto a canção. Claramente promove a homossexualidade usando uma mensagem indecente e grosseira. A Katy sabe como me sinto. Somos uma família muito aberta no diálogo e ela sabe o desapontados que eu e o pai estamos. Nem consigo ouvi-la. A primeira vez que a escutei fiquei em choque. Quando passa na rádio eu baixo-me e rezo". Oremos, então, irmãs!

Literalmente ou...

... uma espécie de vingançazinha pela dívida de uma certa fotografia. Essa sim, literal [piscadela de olho].






Caminhavam juntos pela cidade. Ela incerta, resultado de uns saltos altos que se atreveu a usar - tinha-se esquecido já de como era. Ele veloz, indiferente aos gemidos queixosos da calçada ao toque dos saltos. A ela só lhe ocorreu pensar: never date a guy who is unable to put himself in your shoes.

A violência não foi de férias

- Estou sim, bom dia. Estou a falar com a Cuscavel?
- Olá, bom dia. Sou eu, sim.
- Estou a ligar da rádio xpto. Podemos falar um bocadinho sobre o número de mulheres assassinadas até à data?
- Desculpe, estou de férias; não estou a par...
- Estou a falar a propósito da notícia do DN de hoje sobre as 31 mulheres assassinadas e a possível relação com a crise económica...
Não sabia do que falava. Descansada a tomar o pequeno-almoço e preparando-me para uma manhã de praia, julgava o mundo suspenso na tranquilidade em que me encontrava. De repente, a chamada telefónica a puxar-me para a (sur)realidade. Corri a comprar o DN. Afinal, o mundo continuava. Continuava estagnado - na brutalidade. Para alguns, 31 é um número irrisório. Em Abril deste ano, o número de mulheres mortas por (ex) maridos, (ex) companheiros, (ex) namorados chegava aos 22. Perante as notícias ouvia-se "o que são 22 mulheres assassinadas num universo de 10.000.000 de portugueses?". Como se esse fosse, até, um número razoável. Outros diziam que era o alcoól, a ira, uma coisa do momento. Patologizar o indivíduo é lavar as mãos de uma tarefa que a nós - cada umx de nós - cabe: não tirar férias da denúncia, do combate, da prevenção, da erradicação de um fenómeno que mata mais que o cancro.

domingo, agosto 17

Cuscas, parece que vamos ter de emprestar os óculos e o chapéu do "cusquices"

A famigerada reportagem, na gingko, sobre homens feministas, da Isabel Freire, já circula pela internet - serviço público prestado pelo womenage a trois. É só conferir aqui. De cartaz na mão a dizer "ele é meu amigo", adivinho-me quase tão orgulhosa quanto uma certa cusca. Só falta mesmo a fotografia a confirmar as publicitadas poses sensuais.

Pv- pró-feminista é uma boa forma de dizer sem dizer, não sr. PF?
Ps - pv = provocação (ou será pró-vocação?! ;)
Pps - Particular identificação com as escolhas do João. Será que numa outra galáxia terei acesso ao Testo Yonki?

sexta-feira, agosto 15

E como é que fica aquela história do "lá em casa quem veste as calças sou eu"?!

Depois disto.

A voz cada vez menos secreta

0. Não é nova uma crítica ao feminismo hegemónico (da mulher branca, heterossexual e de classe média) pelo seu olhar colonizador de subjectividades outras. Hoje é mais que sabido que os feminismos ditos ocidentais, não raras vezes, mais não fizeram que colar as suas reivindicações a países do sul. Ao ignorar as especificidades de cada cultura, sociedade, política, etc., muitas reivindicações acabavam por ser um duplo silenciamento das mulheres de tais países do sul, cuja voz nem sempre se considerou importante ouvir - pois estas mulheres eram (tempo verbal seguido de ponto de interrogação) tidas como exclusivamente vítimas, passivas na vontade, ignorantes da sua condição e impotentes quanto à alteração das suas condições de vida. Este silenciamento passa – e não me parece assim tão raro – pela uniformização do outro, ou das outras. E não é preciso falar de oriente para se ver essa uniformização: quantas vezes não ouvimos dizer “a mulher”? Como se as mulheres fossem uma massa invariável. Se fazemos isso com a vizinha da casa ao lado, também o fazemos com a vizinha do país menos ao lado. E o problema, para mim, é que com esse olhar se silenciam diversidades múltiplas, ricas e com potencial emancipatório. Esta lenga-lenga toda para dizer que este post não pretende ser uma denúncia das condições de vida (ou de não vida) destas mulheres do sul – é certo que a denúncia é parte fundamental dos feminismos, mas cansa-me que seja exclusiva.

(Série "Fervor, Shirin Neshat)

1. O que trago é A voz secreta das mulheres afegãs*: a poesia inseparável do canto (landays), de língua pashtun em que a presença das mulheres é activa e de onde emerge “um rosto orgulhoso, impiedoso e revoltado”; onde vemos não a submissão tantas vezes nomeada, mas uma mulher que “se indigna, contesta, alimenta a sua revolta”. Pelo canto – pela poesia – as mulheres pashtun praticam um desafio de natureza semelhante a outra forma de revelar a sua revolta - o suicídio – impondo “um acto socialmente irrecuperável” e “fatal”. As suas melodias frequentemente “pontuam as discussões à maneira de uma citação, de um ditado que expõem um sentimento ou uma ideia” e exaltam três temas: a honra, a morte, o amor. “Num meio social onde o que diz respeito à paixão e à sexualidade passa por ser estritamente tabu” as mulheres pashtun não receiam “abordar esses temas sem rodeios, com uma brutal sinceridade”, glorificando o seu corpo, o amor carnal e o fruto proibido. “Que uma mulher grite tão alto o seu amor, é socialmente um escândalo”.
Escandalizemo-nos, então.

Em segredo ardo, em segredo choro
Sou a mulher pashtun que não pode revelar o seu amor
-
Poisa a tua boca na minha
Mas deixa a minha língua livre para te falar de amor
-
Ontem à noite estive com o meu amante: uma noite de amor que não se repetirá
Como um guizo, com todas as minhas jóias, tini em seus braços até ao fundo da noite
-
Apanha lenha, acende uma grande fogueira!
É meu costume entregar-me em plena luz
-
De boa vontade te daria a minha boca
Mas porquê sacudir o cântaro? Já estou toda molhada
-
Primeiro, toma-me em teus braços, aperta-me
Só depois poderás ligar-te às minhas coxas de veludo
-
Que Deus te proíba todo o prazer em viagem
Já que me deixaste adormecida, insatisfeita
-
O meu amante quer ter a minha língua na sua boca
Não pelo prazer, mas para afirmar os seus direitos sobre mim
-
Irmãs, atai os vossos véus à cintura
Pegai em armas e ide para o campo de batalha
-
À meia-noite a lembrança de ti é a única visita
Que me atormenta e não me deixa dormir
-
O meu amante é hindu e eu maometana
Em nome do amor, varro os degraus do templo interdito
-
Se dormes, só terás poeira
Eu pertenço aos que, por mim, não dormem a noite inteira
-
O meu amor prefere as flores sensatas dos jardins
Mas eu, tulipa selvagem, desfolho-me na planície sem fim
-
Olhai do esposo a horrível tirania:
Bate-me e proíbe-me de chorar

*Majrouh, Sayd Bahodine (2005) A voz secreta das mulheres afegãs. O suicídio e o canto. Lisboa: Cavalo de Ferro (tradução portuguesa de Ana Hatherly).

Quem (em árabe consegue) canta(r) consente (11)

Racha Rizk
"Mreyte Ya Mreyte"



*Pode parecer mais do mesmo, mas antes que a nossa cuscárabe venha de dedo em riste ripostar, é melhor deixar claro que Afeganistão não é um país árabe. Esta música (de uma libanesa), sim.

sábado, agosto 9

Blogosfera feminista

(se não clicares na imagem, não lhe acontece nada)


- Queridas cuscas, toca a colocar os óculos de sol e um chapeuzito ao "cusquices", vá.
- Oh fabulosa cuscavel - dizem as cuscas em coro - porque é que te deu para isso agora? Estás a tentar protegê-lo do sol? É certo que é ainda uma criança, mas ele até tem estado sossegadinho à sombra.
- Cusquinhas, amoris, é que os flashes incessantes dos curiosos paparazzi podem ferir os seus delicados olhos - daí os óculos de sol. O chapeuzito é para ver se, por uma vez ou por outra, consegue passar despercebido. Ou não sabiam que a nossa criança está a ficar famosa? Olha espreitem lá na segunda coluna deste artigo do Correio do Minho.

quarta-feira, agosto 6

Cinderella on Fire

Coitadinhas das crianças que foram obrigadas a assistir a uma cena destas. Shame on you! Confrontar a inocência com este tipo de sujidades sociais... Andam a brincar com os investimentos das pessoas: compra-se bilhetes para coisas destas para que as criancinhas aprendam quem e como amar, para serem para sempre felizes e afinal a coisa sai des-virtuada. Ainda bem que existem pessoas superiores que se revoltam com estas imundices e protegem a inocência e tornam a vida das crianças mais simples.

terça-feira, agosto 5

Só boas notícias

  • Maria Irene Ramalho
    Professora de Coimbra ganha prémio nos Estados Unidos
    A docente da Universidade de Coimbra Maria Irene Ramalho foi galardoada nos EUA com o prémio da mais importante associação de estudos americanos, que pela primeira vez é atribuído a alguém de fora do país

    ...

sábado, agosto 2

Quem canta consente (10)




Hole
"Celebrety skin" (com uma piscadela de olhos para uma certa menina)

Muito sexo e feminismo

Desde que o livro foi publicado que não sai das páginas dos jornais e, apesar de ser um livro pornográfico, Charlotte [Roche] explica que o tema em foco é a repressão da mulher. Alguns jornais acusam o livro de ser mais um "manifesto" do que uma obra de ficção. Charlotte queria escrever um livro-documento, mas acabou por criar uma heroína criativa em relação ao corpo e de espírito livre e que explora o seu corpo ao mesmo tempo que o torna estranho.

"Muitos dos princípios dos anos 60 e 70 ainda não se instalaram de verdade na sociedade. As mulheres ainda se sentem reprimidas em relação aos seus próprios corpos, aos seus desejos e, por isso, aceito que digam que o livro é um 'manifesto', porque existe uma mensagem séria", afirmou Charlotte numa entrevista que concedeu recentemente.

"Atrevo-me a confessar que corpo, doença, hospitais e masturbação são temas que sempre me fascinaram, são os meus passatempos, aliás. Se alguma amiga diz que fez uma operação, sou a primeira a dizer 'deixa-me ver a marca'. Gosto de pensar neste tipo de detalhes", afirmou ainda.
Carla Guerra, DN

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