segunda-feira, agosto 25

A violência não foi de férias

- Estou sim, bom dia. Estou a falar com a Cuscavel?
- Olá, bom dia. Sou eu, sim.
- Estou a ligar da rádio xpto. Podemos falar um bocadinho sobre o número de mulheres assassinadas até à data?
- Desculpe, estou de férias; não estou a par...
- Estou a falar a propósito da notícia do DN de hoje sobre as 31 mulheres assassinadas e a possível relação com a crise económica...
Não sabia do que falava. Descansada a tomar o pequeno-almoço e preparando-me para uma manhã de praia, julgava o mundo suspenso na tranquilidade em que me encontrava. De repente, a chamada telefónica a puxar-me para a (sur)realidade. Corri a comprar o DN. Afinal, o mundo continuava. Continuava estagnado - na brutalidade. Para alguns, 31 é um número irrisório. Em Abril deste ano, o número de mulheres mortas por (ex) maridos, (ex) companheiros, (ex) namorados chegava aos 22. Perante as notícias ouvia-se "o que são 22 mulheres assassinadas num universo de 10.000.000 de portugueses?". Como se esse fosse, até, um número razoável. Outros diziam que era o alcoól, a ira, uma coisa do momento. Patologizar o indivíduo é lavar as mãos de uma tarefa que a nós - cada umx de nós - cabe: não tirar férias da denúncia, do combate, da prevenção, da erradicação de um fenómeno que mata mais que o cancro.

2 comentários:

Condessa X disse...

É verdade parece um número (não me conformo em chamar número a isto, mas não me ocorre outra palavra, de facto) irrisório, mas isso é só porque este país é, também ele, irrisório. e claro, entre marido e mulher é importante que haja colheres. Quantas vezes as pessoas vêm as coisas, ouvem-nas e não têm coragem de denunciá-las. Há ainda uma outra questão: mesmo que as pessoas denunciem, que mecanismos existem para que a queixa não caia em saco roto? Penso muitas vezes que as pessoas deixaram de denunciar, não só por medo mas porque não acreditam na justiça. Além de ser uma questão social é, também uma questão política.

Má ideia! disse...

do que conheço (nunca presenciei violencia física, mas psicológica: uma atitude competitiva em que um dos elementos procura demonstrar controlo sobre a intimidade e sociabilidade do outro), a mulher está numa situação em que tal é tradicional (que seja expectável aconteça), portanto diferente da posição em que se encontra um homem. A partir daqui falo de violencia sobre mulheres. A mulher tem vergonha de ter entrado nessa relação, e assume responsabilidade pelo que lhe acontece. Evita a intervenção de terceiros, o que dá poder ao agressor, porque é a relação com terceiros que ele tem precisamente em linha de conta.
O post acima acerca da relação romantica indica as chaves da questão, mas também os direitos sociais relacionados com a maternidade, o mais fora possível da esfera conjugal (relação mulher-sociedade). Penso que o fuel do agressor é corresponder a essa posição masculinidade pater-familia (apesar do resto do desnexo, only human)