sexta-feira, março 30

Representações das Mulheres nos Média

Os média são um meio de cultura de massas que funciona como um painel gigante das representações das mulheres (e dos homens, naturalmente). Sendo sistemas de construção e difusão de discursos, são um campo privilegiado de investigações na área dos estudos sobre as mulheres.

O número 14 da revista ex aequo, da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres, revela isso mesmo ao dedicar-se inteiramente à questão das representações mediáticas de mulheres.

Sendo o tema vasto, e controverso, muito haveria a dizer. Opta-se, aqui, apenas por destacar, de um dos artigos, os resultados de um estudo, realizado em Janeiro de 1995, por ser um forte indicador dos padrões persistentes de exclusão, dos média, das mulheres.


  • Este estudo consistiu na análise, por um dia, de todas as notícias dos média dos países de 71 mulheres. Foram analisadas mais de 15.500 histórias.

    Os resultados são reveladores:

    Apenas 17% dos sujeitos das notícias do mundo eram do sexo feminino (repórteres ou entrevistadas).

    A mais baixa proporção de mulheres nas notícias é na Ásia: 14%;
    a mais elevada é de 27%, na América do Norte.

    De todas as notícias nos campos da política e do governo, as mulheres representam 7% dos sujeitos;
    9% nas notícias sobre economia e negócios;
    33% nas questões de saúde e sociais
    31% nas artes e lazer.

    Mas nem só as estatísticas revelaram a fraca representação das mulheres:

    A análise qualitativa destas notícias revelou uma notória ausência de vozes femininas nas notícias que diziam respeito às mulheres. Em notícias como o direito das mulheres de pedirem o divórcio no Egipto ou a penalização das mulheres por infidelidade na Turquia ou a elevada taxa de aborto nas adolescentes escocesas, os pontos de vista das mulheres foram excluídos.

A crítica, discussão e aprofundamento desta questão poderão ficar para posts futuros. Para já, e independentemente das limitações que os estudos sempre apresentam, é possível, já, uma confirmação:


A da “ natureza genderizada impregnada nos valores das notícias e nos processos de selecção das notícias” que “torna pouco provável a mudança apreciável (…) mesmo a médio prazo.”


“Perspectivas feministas sobre os media”, Margaret Gallagher
in Revista Ex-aequo, n.º 14,
Edições Afrontamento

quarta-feira, março 28

Donas de Casa Desesperadas. Ou só desesperadas...

No episódio de hoje (ontem?) de donas de casa desesperadas, Bree interrompe o cunnilingus que o seu cherie lhe servia (só para dar uma de poliglota – Olha! Línguas e sexo oral! Nem de propósito!), saindo disparada para o hospital. Uma vez lá, descreve, à médica, os sintomas que a assustaram e rapidamente (feliz médica!) lhe é diagnosticada uma perturbação degenerativa (é sabido que as nossas faculdades nos vão abandonando no momento do clímax): orgasmo. Sim, parece que Bree, ao contrário do que supusera durante 30 e alguns anos (estou generosa, hoje), teve o seu primeiro orgasmo.

Esta Bree, que bem pode ser a vizinha do lado, a esteticista, a sapateira, a chefe de secção, a mulher das limpezas, a motorista, tu e eu, achava estranha toda a exaltação à volta do sexo. Achava os filmes pornográficos ou eróticos exagerados. Achava que tesão (nenhuma outra palavra cabe aqui, a não ser mesmo t-e-s-ã-o) era coisa de primeiros encontros e descobertas. Achava que quem dizia que ter um orgasmo era a melhor coisa do mundo eram os pobres-de-emoções-que-acham-que-cinco-segundos-de-prazer-compensa-todos-os-outros-prazeres. Gostava, é certo. Muito, também é certo. Mas só quando fez sexo com o novo parceiro descobriu que, afinal, muito bom era muito má adjectivação.

Esta Bree pode continuar a achar que sexo é só um dos prazeres e não o supremo gozo. Mas acha, agora, que é supremo o gozo quando faz sexo. Acha que dizer que se sente abandonar-se nos corredores do seu corpo; dizer que a garganta lhe dói em sinal de protesto pelos gritos que a violam; dizer que, perto do que sente, um vulcão em erupção é um eufemismo, é cair no mesmo erro:

O de não ter percebido que só quando não se é capaz de descrever a sensação é que é possível a definição: orgasmo. Eco. Eco. Eco. Eco….

E agora, desculpem lá, mas este post acaba como o cunnilingus a Bree: abruptamente. Mas só porque já venho!


ps: qualquer semelhança com a série é mera ficção

Uma cusquice completamente desnecessária mas totalmente irresistível



Façam o teste aqui.

quarta-feira, março 14

Mulher Objecto

"Segundo costumes e convenções que, finalmente, têm vindo a ser postos em causa, mas de que modo algum foram ultrapassados, a aparência social da mulher é de espécie diferente da do homem. A presença de um homem depende da promessa de poder que encarna. O poder prometido pode ser moral, físico, temperamental, económico, social, sexual; mas a sua incidência é sempre exterior ao homem. (…) A aparência, para uma mulher, é tão intrínseca à sua pessoa que os homens tendem a considerá-la como uma emanação pessoal, uma espécie de calor, um aroma ou uma aura. (…) Os homens agem, as mulheres aparecem. Os homens olham para as mulheres. As mulheres vêem-se a serem vistas. Isto determina não só as relações entre homens e mulheres, como também as relações das mulheres consigo próprias. O vigilante da mulher dentro de si própria é masculino; a vigiada, feminina. Assim, a mulher transforma-se a si própria em objecto – e muito especialmente num objecto visual: uma visão."

John Berger

Citado em Mulheres de Papel,
de Alice Marques

sexta-feira, março 9

Qual foi o acontecimento do ano em Portugal?

Mário Crespo Jornalista






"Para mim, é a repetição do milagre que as mulheres portuguesas continuam a fazer. Estão nas filas dos transportes públicos às seis da manhã para ir para o trabalho e depois, à noite, em casa, vão mantendo tudo como se lá tivessem estado todo o dia. Face ao que fazem todos os dias, tudo o mais no País é realmente banal."




Revista Notícias Sábado do JN





quinta-feira, março 8

Dia Internacional da Mulher

Dizíamos, no post anterior, que a luta pela igualdade entre homens e mulheres ainda faz sentido nos tempos que correm. E é fácil verificarmos isso mesmo.

Basta passarmos pelo site da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego para rapidamente verificarmos que a reivindicação por salários idênticos para homens e mulheres, em trabalhos iguais, é ainda uma necessidade. Somos, também aqui, as tecelãs do século XIX.
  • Em Portugal, as mulheres recebem menos de 25% do salário dos homens para trabalho igual.

E da mesma forma que aquelas 130 mulheres foram vítimas de crimes contra a vida, também nós o somos, nos dias de hoje.

E isto, em Portugal.
No resto do mundo, mudam os números. Podem, até, mudar os objectos de estudo. Mas a descoberta é a mesma.

Conheçamos alguns destaques (não invalida que vejam todo o documento; é revelador) das Estatísticas Internacionais de Violência contra as Mulheres, divulgadas no site da UMAR:

  • Nos EUA uma mulher é espancada a cada 15 segundos, normalmente pelo seu parceiro ou marido. (Estudo da ONU sobre as Mulheres, 2000)

    Uma em cada cinco mulheres será vítima de violação ou tentativa de violação na sua vida (OMS 1997).

    No Iraque pelo menos 400 mulheres e raparigas, com pouco mais de 8 anos, foram violadas em Bagdad, durante ou depois da guerra, desde Abril 2003 (Estudo da Human Rights Watch, 2003).

    Mais de 135 milhões de raparigas e mulheres têm sido sujeitas à mutilação genital e cerca de 2 milhões estão em risco todos os anos (6.000 todos os dias) (ONU, 2002).

    A violação marital é reconhecida como crime em apenas 51 países, (UNIFEM, 2003).

    51% da população mundial infectada com HIV/SIDA (mais de 20 milhões) são mulheres. (UNIFEM, 2003)

E chega-nos, então, a (infeliz) confirmação que falar-se de desigualdade não é “birra” de mulheres desocupadas, fundamentalistas, ultrapassadas ou com falta de sexo (estereótipos recorrentes para as feministas).

Chega-nos a confirmação que não é tanta a distância que nos separa daquelas mulheres do século XIX.

Chega-nos a confirmação que a desigualdade não é tema de quem não tem nada para fazer. Pelo contrário. É que, a avaliar por estes dados,

o que não nos falta, é o que fazer!

Imagem: "Mulher Cão", Paula Rego

terça-feira, março 6

Faltam dois dias

Porquê 8 de Março como “Dia Internacional da Mulher”?

  • No dia 8 de Março de 1857, operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque entraram em greve. Ocuparam a fábrica para reivindicar melhores condições de trabalho, como a redução na carga diária de trabalho para 10 horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), a equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e o tratamento digno no ambiente de trabalho.

    Esta manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica que foi incendiada. Aproximadamente 130 mulheres morreram queimadas.

    Em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de Março passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher" (data que viria a ser oficializada pela ONU em 1975), em homenagem às tecelãs que morreram na fábrica em 1857.


Este é o verdadeiro significado do 8 de Março. Não é para “lembrar” que existem mulheres nem tratá-las com especial atenção, oferecendo-lhes presentes. É o dia em que se chama a atenção para as situações de discriminação a que somos sujeitas diariamente, só porque somos mulheres.

É o dia em que, por todo o mundo, se realizam debates, reuniões, conferências com o objectivo de chamar a atenção para o papel e a dignidade da mulher e de contestar e rever preconceitos e limitações que nos vêm sendo impostos.

Por isso, queridas cuscas, deixemos de parte os usuais comentários de desvalorização deste dia. Lembremos e homenageemos a luta destas mulheres pela igualdade! E lembremos, neste dia (todos os dias) que, apesar dos avanços, essa luta ainda faz sentido.

Adenda: participem na blogaguem colectiva, a propósito do Dia da Mulher, sugerida aqui