Para ver. Em todos os sentidos.
“tomada de consciência individual ou colectiva da opressão específica das mulheres, acompanhada da vontade de instaurar a igualdade dos sexos em determinados ou em todos os domínios, a médio ou a longo prazo”
Florence Rochefort, Laurence Klejman
Florence Rochefort, Laurence Klejman
Este fim-de-semana, discutia-se acesamente o rótulo – feminista; que designar-se assim era dizer-se que se concordava com toda a tradição feminista. Confesso que foi um “coming out” tortuoso, o meu – ah! até aceitar que dissessem ou dizer eu que era feminista… a certa altura, percebi que o meu receio era mais cobardia e “cuspir no prato que se come”.
Cobardia porque é muito mais confortável ser-se feminista e não usar o “rótulo” (não temos de nos ver associadas aos estereótipos comuns – só ficamos com a parte “boa”). Por outro lado – o com mais peso – sentia que ao mostrar algum tipo de desconforto com o “engavetamento” – apesar de já lá estar - era dizer a todas as mulheres que lutaram (e lutam) pelo que hoje temos que estamos muito agradecidas e tal mas que não somos como elas, nem queremos ser. É óbvio que não concordo com todos os feminismos, não assinaria o manifesto SCUM, por exemplo, nem defenderia uma igualdade pela aproximação ao comportamento masculino. A questão é que essas “correntes” não deixam de encaixar na definição ali em cima. Fazem-no pela consciência de opressão e pela vontade de a anular.
Compreendo os receios, acabei de confessar os meus, e por isso devia ser mais tolerante, mas a verdade é que sinto o “defendo a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, luto por isso no meu dia a dia, mas não; não sou feminista” como uma facada.
Ao ver o filme Votes for Women que é excelente retrato das (diferentes, mas imprescindíveis, posições de associações) sufragistas americanas e o longo percurso até conseguirem o voto no feminino, tive a perfeita noção do quão ingrata estava a ser – e todas as pessoas que são feministas mas não o assumem.
É que é diferente ler-se a história escrita - os percursos racionalizados em frases – e ver o pormenor; as dificuldades SENTIDAS (não só contadas com o distanciamento que sempre se tem). É diferente contarem-nos que muitas sufragistas foram presas, durante as suas lutas, e VER (ainda que em filme) como eram tratadas na prisão; como eram espancadas, torturadas, manipuladas, etiquetadas como mentalmente insanas (“a coragem num homem é loucura nas mulheres”) - tudo pelo direito das mulheres votarem.
E fiquei com vontade de dizer a todas/todos os que defendem o feminismo mas recusam o rótulo, para verem o filme. Para verem o injusto que é essa posição fraca – e no filme vê-se bem isso na personagem Emily Leighton (“pessoas assim são piores que os anti-sufragistas”, dizia-lhe Alice Paul).
E serve também, para mim, para quem passa a vida a tentar desvalorizar todo o feminismo. Se hoje não vêm a necessidade de o “adoptar” – isso daria muitos outros posts – pelo menos, que se faça a devida vénia ao que foi. E se acabe com a cegueira, pelo menos quanto ao passado.
Realizadora: Katja von Garnier
Partes do filme podem ser vistas aqui
4 comentários:
Para herdar, em todos os sentidos... E não há herança, cara Cuscavel, sem uma lógica e necessária reinvenção. Ora saber herdar a luta (justa) do feminismo implica, quanto a mim, reconhecer o que muitas vezes se sustenta numa "tradução invertida" do que um ilustre contemporâneo apelidou "falogocentrismo", que é necessário desconstruir. Este post, aliás, em nada contraria essa necessidade, da mesma forma que não justifica o imperativo de assumir o rótulo. Responderei em post próprio, se tiverem paciência para me aturar...
Olá, vim cuscar...xiii caramba...ou será cusquar??hum...não interessa!!gostei!óbvio que acho que estes posts não se comentam assim...tipo: bom trabalho!são maravilhosas!!terei que voltar cá mais vezes:)é o que farei.
Cara Cuscavel:
Essencialmente é muito confortável, usufruindo do que foi conquistado a pulso, recusarmos o que nos posicionou.
Cuscavel, fiquei com curiosidade em ver o filme.
Também defendo a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres e tal como tu tenho receio que a palavra feminista seja ligada a certos movimentos com os quais não me identifico de forma alguma. Mas se me perguntarem se sou feminista respondo que sim, mas explico, de forma a não ser conectadaa a esses movimentos.
kisses
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